A Rua Miguel Calmon foi cenário de transformações importantes em Salvador. Até o início do século 20, antes da construção do aterro em que foi erguido o lado esquerdo da via e um novo porto para a cidade, ela se chamava Rua do Cais e era banhada pelo mar. Cem anos depois, a rua no bairro Comércio tornou-se a primeira Rua Completa da capital baiana e um dos símbolos das intervenções que têm revitalizado seu centro histórico.
É comum que vias de bairros históricos ostentem uma beleza agridoce. Prédios antigos cujo estado de conservação não faz jus à sua importância cultural e arquitetônica debruçam-se em calçadas estreitas que não comportam o fluxo de pessoas em horário comercial e ficam vazias à noite e aos fins de semana.
Um caminho para recuperar a vitalidade dessas regiões passa por promover conforto e segurança em todos os deslocamentos – seja a pé, de bicicleta ou em outros modos –, garantindo uma divisão equilibrada do espaço viário. Medidas como a ampliação de calçadas são boas tanto para quem caminha quanto para o comércio que depende do fluxo de pedestres. Da mesma forma, implantar infraestrutura cicloviária contribui para o acesso das pessoas à cidade e pode levar mais vitalidade à região.
Essas são algumas premissas por trás da implementação dos instrumentos de Ruas Completas na Rua Miguel Calmon. “Dentro dos vários objetivos esperados com a obra, temos a requalificação urbanística da área com olhar especial para o pedestre, para o caminhar, o ciclista e o meio ambiente. Isso se dá através da redução do espaço do automóvel, alargamento das calçadas, implantação de ciclofaixa e o plantio de 90 novas árvores”, explica Ronaldo Lima, arquiteto da Fundação Mário Leal Ferreira, órgão da Prefeitura de Salvador responsável pelos projetos urbanísticos do município.
Além de extensões de calçada em concreto e em pedra portuguesa dos dois lados da via, as intervenções incluem 1,1 km de ciclofaixa, redefinição dos alinhamentos da via, raios de curvas e pavimentação asfáltica, além de sinalização inteligente. Houve implantação de rampas, piso tátil, redefinição e aumento das travessias. Com a ampliação de espaço para pedestre, foram criadas áreas de descanso com bancos e lixeiras. As árvores plantadas garantirão sombra e conforto térmico nesses locais, além de contribuir para a compensação das emissões dos automóveis que circulam na região.
A iluminação pública foi substituída por lâmpadas de LED, mais sustentáveis, e melhorias de drenagem foram realizadas em todo o trecho. No entorno obelisco da Praça Riachuelo, a instalação de piso intertravado em nível com a calçada tornou o histórico monumento mais amigável aos pedestres e é uma forma estrutural de reduzir a velocidade dos carros.
A rua que a população deseja
Desde 2017, Salvador faz parte da Rede Nacional para a Mobilidade de Baixo Carbono – foi uma das 11 cidades selecionadas para integrar a iniciativa em sua fundação. Como nas demais cidades, o WRI Brasil promoveu um workshop sobre os conceitos de Ruas Completas com técnicos da prefeitura. Já naquele ano, a Miguel Calmon foi escolhida como projeto piloto de Rua Completa para Salvador, devido à sua importância na ligação entre a cidade alta e a região do subúrbio e à grande circulação de pessoas, que buscam os serviços e as diversas atividades desenvolvidas na região. Uma das expectativas é que a Miguel Calmon funcione como eixo indutor de novas melhorias urbanísticas no Centro Antigo.
Enquanto as outras Ruas Completas implementadas até agora iniciaram com intervenções de urbanismo tático – com equipamentos mais leves, como tinta, tachões e pallets de madeira –, as intervenções em Salvador foram feitas desde o primeiro momento de forma definitiva, já com estrutura física. O projeto urbanístico, de responsabilidade da FMLF, foi precedido por consultas à população, com exposição do projeto conceitual e apoio da Associação Comercial da Bahia. A requalificação teve apoio técnico do WRI Brasil em iniciativas de segurança viária, acessibilidade e na medição de impacto.
A medição de impacto segue o processo usual com pesquisas na Miguel Calmon e em uma via de controle – a Rua Portugal. Paralela à Miguel Calmon, a rua foi escolhida por ter características semelhantes, de modo que se pode comparar a mudança de percepção da rua requalificada com a da via que não sofreu intervenções.
O trabalho, cuja primeira etapa envolveu 500 entrevistas em ambas as ruas antes das intervenções, vem sendo feito em parceria com a UNIFACS. Registra-se a percepção dos frequentadores em quesitos como segurança pública e viária, qualidade das calçadas e equipamentos como lixeiras e abrigos de ônibus. A pesquisa será repetida seis meses após a implementação, quando será possível avaliar os primeiros impactos.
Foram investidos cerca de R$ 4,8 milhões na série de intervenções na via. As obras integram o projeto Salvador 360, que inclui em um de seus eixos a requalificação do Centro Histórico, para onde são previstos mais de R$ 300 milhões de investimentos até 2020. Além das obras na via, há projetos de requalificação do uso do solo, com edifícios e casarões sendo ocupados por órgãos públicos, equipamentos culturais e residências. A expectativa é que a requalificação incremente o turismo na região, leve novos frequentadores e movimente a economia.